domingo, 14 de agosto de 2011

O rosto de Deus

O deserto, lugar de provação, é também tempo de pedagogia divina: no deserto nasce a fé, no tempo intermediário do deserto o homem deve lembrar, chegar ao conhecimento e à custódia da palavra de Deus no próprio coração. No deserto se começa a entender e a conhecer a Deus: em particular, chega-se a entender que Deus está próximo ao seu povo como um Pai, é zeloso como uma Mãe, é o amor fiel de um Esposo. É, pois, no deserto que se chega à fé, ao conhecimento, à intimidade máxima com Deus: no deserto Deus é Pai, Mãe, Esposo.

Vai-se ao deserto não para fugir dos homens, mas para encarar-se corajosamente, preparando o encontro face a face com Deus. Vai-se ao deserto para lutar contra os demônios, isto é, contra as angústias, os pensamentos que crescem de maneira desmedida, alimentando-se de si mesmos até tornarem-se presenças monstruosas no coração do homem, invulneráveis pela própria inconsistência. O próprio Jesus foi ao deserto guiado pelo Espírito Santo, "para ser tentado pelo diabo" (Mt 4,1): analogamente, o cristão vai ao deserto na convicção de sua fraqueza e fragilidade, portanto, da necessidade de um guia.

O deserto desvenda a verdade da condição humana, reduzindo o homem ao essencial, às necessidades elementares. Na espoliação do deserto o homem é reduzido a "ser" o próprio corpo: aí nos conhecemos mais do que nunca como "ser humano em um corpo". O deserto é, então, o lugar espiritual onde, antes de tudo, revemos nossa relação com nosso corpo e com o que lhe está estreitamente ligado: a comida que o alimenta, o vestido que o abriga, o sono que lhe dá repouso...

Na ausência da presença humana, na abstinência dos alimentos, de palavras e gestos corriqueiros do dia-a-dia, na dureza das provações e dos males que o deserto faz sofrer, experimenta-se o caráter pedagógico do deserto. O deserto liberta de tudo o que atulha e é supérfluo e purifica a fé das incrustações idólatras que a contaminam: o deserto é o crivo que revela a firmeza de um fiel. É ali que pode acontecer, por graça de Deus, o caminho de conversão das múltiplas paixões e apetites do homem ao único desejo: o do rosto de Deus.

Os israelitas no deserto mostraram sua infidelidade, tentando Deus, ao pedir-lhe que apagasse o fogo ardente de suas cobiças; mas esta provação ensinava a Israel a ser sedento de Deus e desejoso do seu rosto. Como testemunha o próprio Jesus, quando no deserto, depois de quarenta dias de jejum, "teve fome", essa provação mostra que o único alimento que pode saciar é a palavra de Deus (Mt 4,2-4; cf Dt 8,3). O deserto é, pois, um lugar pedagógico também para o cristão que, ali, sobretudo, aprende o essencial:

"Procurar, em primeiro lugar, o Reino de Deus e sua justiça e todas as outras coisas - alimento, bebida, roupa...- serão dadas (por Deus) em acréscimo" (Mt 6,33). O caminho através do deserto é, portanto, uma necessidade para nós todos: precisamos repercorrer o deserto para perceber as próprias raízes da nossa fé, para aprender na carne que nossa vida não depende da economia dos bens, mas de toda palavra que sai da boca de Deus.

Se nosso destino é o Reino, se nossa vocação é o jardim do Éden no qual Deus pôs o homem, devemos todavia atravessar o "vale de lágrimas", o deserto como lugar no qual aprendemos na nossa carne que somos destinados à vida divina. Sim, ir ao deserto é operar uma ruptura com um mundo bem definido, mas essa ruptura é em função de uma união mais íntima com Deus, porque é no deserto que é revelada a própria essência de Deus: o nome do Senhor foi entregue a Moisés justamente no deserto! O deserto é, então, o lugar por excelência da comunhão com Deus, o espaço e o tempo no qual entramos nos pensamentos de Deus, alcançamos seu "coração".

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