Por estranho que pareça, o único meio que pode
ajudar o homem a encontrar resposta sobre si
mesmo e sobre Aquele que o fez à sua imagem é o
silêncio, a solidão — numa palavra, o deserto. O
homem de hoje precisa destas coisas muito mais do
que os eremitas de outrora.
Se quisermos estar preparados para dar testemunho
de Cristo nas ruas, praças e mercados, onde nossa
presença cristã está em contínua demanda,
precisamos de silêncio. Se quisermos estar
disponíveis, não só fisicamente, mas sobretudo
espiritualmente, pela simpatia, pela amizade,
compreensão e doação total da caridade, precisamos
de silêncio. Se pretendemos dar aos outros a
verdadeira e completa hospitalidade que não se
contenta com a oferta de casa e alimento, mas abre
também as portas da mente, do coração e do
espírito, precisamos de silêncio. O verdadeiro silêncio
é o homem em busca de Deus!
O verdadeiro silêncio é uma ponte suspensa que o
espírito, enamorado de Deus, constrói sobre a
escuridão e os abismos de sua própria mente; sobre
as assustadoras ravinas e precipícios da tentação;
sobre as gargantas escuras dos medos e terrores
que o impedem de chegar a Deus.
O verdadeiro silêncio é a linguagem dos amantes.
Somente quem ama compreende toda a sua beleza e
alegria. O verdadeiro silêncio é um jardim fechado
onde — e somente aí! — o espírito floresce com Deus
e para Deus. É uma fonte selada que somente o
coração pode desvendar e abrir para saciar sua sede
do infinito.O verdadeiro silêncio é a chave para o imenso
Coração chamejante de Deus. É o começo de um
"namoro" que só terminará na união final e definitiva
com o Amado.
Um tal silêncio é santo; é a oração que paira acima
de todas as preces e chega à oração final da
constante presença de Deus, atingindo as alturas da
contemplação, quando o espírito, finalmente em paz
total, vive alimentado apenas pela vontade do Ser
Supremo que ele ama.
Este silêncio sai para fora em forma de caridade que
transborda no serviço do próximo, sem considerar o
custo e a dificuldade. Testemunhando Cristo em toda
parte, o silêncio, em forma de disponibilidade, se
tornará fácil e agradável, porque a alma começa a
ver a face do seu Amor em cada pessoa. A
hospitalidade será profunda e real porque um
coração em silêncio é um coração que ama e um
coração que ama é um imenso abrigo aberto para o
mundo inteiro.
Um silêncio assim não é prerrogativa exclusiva de
mosteiros e conventos. Deveria existir em todas as
pessoas que amam a Deus, em cada cristão que se
volta para o mistérios da sua redenção, em cada
judeu que escuta, dentro de si, as vozes dos antigos
profetas, em cada alma, enfim, que se levanta e
parte em busca da verdade, em busca de Deus.
Porque Deus não está no meio do barulho e da
confusão quando estes dois se instalam no próprio
coração do homem.
Desertos, silêncio, solidão não são necessariamentelugares, mas sim um estado de espírito e de
coração. Como tal podem ser encontrados em pleno
bulício das cidades, a qualquer hora ou qualquer dia.
Basta que sintamos a tremenda necessidade que
deles temos e saiamos a sua procura. Serão, talvez,
pequenos desertos, pequenos "poços de silêncio" na
imensa vastidão do barulho, mas se estivermos
dispostos a descer até eles, hão de trazer-nos uma
experiência santificante e alegre como a que
sentiram os primeiros ermitães, nos desertos da
Tebaida, algo parecido com a solidão infinitamente
rica, fecunda e fervilhante de forças criadoras, na
qual o próprio Deus se refugia. Porque somente Deus
torna santos, alegres e fecundos todos os silêncios e
todos os desertos.
Pense, por exemplo, na sua solidão, enquanto você
caminha, no término de um dia de trabalho, indo do
ponto de ônibus até sua casa. Vem, depois, o
silêncio tranqüilo do seu quarto, quando você entra
para trocar a roupa de trabalho por outra caseira,
mais confortável. Pense na solidão de uma dona-decasa,
sozinha em sua cozinha, antes de começar o
trabalho do dia. Enfim, há uma solidão benéfica e
real em cada atividade doméstica, por mais humilde
que seja: lavar e passar roupa, costurar, cozinhar,
etc.
Para chegar à solidão, o primeiro passo é partir. Se
alguém se decidisse a visitar um deserto real e
geográfico como o Saara, deveria, antes de tudo,
procurar uma agência de viagem. No deserto de que
falamos aqui, não precisamos disso. É incrível como
somos cegos para as inúmeras viagens e "partidas"que enchem o nosso dia, pontilhado de "pequenas
solidões", atrás de qualquer porta, escondidas em
quaisquer atividades. Há uma solidão no céu
estrelado que entra pelo retângulo da minha janela e
pode haver uma também no quadro movimentado e
barulhento que se descortina da janela do meu
escritório, às 2 horas da tarde. Existe a solidão do
carro que me leva para casa e que pára no
engarrafamento das ruas ou nos semáfaros, entre os
gritos impacientes das buzinas. Em todas estas
circunstâncias, eu posso encontrar um "ponto de
partida" para o silêncio e deserto interior da
meditação.
Mas, nosso coração, nossa mente e nosso espírito
devem estar afinados com o sobrenatural e alertas
para estes momentos de solidão que Deus nos
concede. Para conseguir esta "afinação", temos que
perder nossa generalizada idolatria ou superstição do
tempo, deste tempo que ninguém quer dar ao
silêncio e à meditação por julgar que é "perda de
tempo".
Há também os que pensam que só em muito tempo
é que se pode chegar a alguma parte, em termos de
oração. Deus se ri do tempo, porque pode
transformar nossos espíritos e nossos corações em
um segundo, desde que eles estejam abertos e
voltados para cima, para ele. Deus pode dizer ao
homem que está ao volante de um carro, em pleno
engarrafamento de tráfego: "Eu te conduzirei à
solidão e aí falarei ao teu coração" (Os 2,14).